"Hoje não vou escrever nada. Vou limitar-me a pensar. Começando por aí mesmo, poderíamos inferir que já estou em contradição, dado continuar digitando estas letras. Mas a contradição já não é o que era. As relações, as profissões, as ocupações e as confecções, seguem actualizadas ao ritmo do incoerente. - Adoramos alguém que raramente vemos (se calhar por isso mesmo julgamos adorar...) - Gostamos do que fazemos ao ponto de o desdenhar - Veneramos discutíveis Hobbies dando Vivas ao verdadeiro ócio - Apreciamos o real conforto mas não vestimos essa camisola nunca Contradição? Contradição era o machismo galopante de amar só uma mulher Contradição era seguir com paternalismo a vocação (ainda) não sentida Contradição era almejar fazer música sendo-se surdo Contradição era sermos tão únicos albergando o ordinário."
Seleccionou a janela com o símbolo da "diskete" e fechou o Word. Até nisto, pensou - não o escrevendo, terá contradição. Onde está o calo no dedo de tanto escrever? Espirito de contradição - diria o Pai. Ai, os Pais os Pais... (esta frase no meio do meu texto, só faz sentido, na actualidade deste mês de Dezembro de 2003, quando se estreia «Os Imortais» na grande tela).
Suponho que deveria simplesmente abandonar esta mania, esta "P" da mania de querer criar algo, onde nunca (nest)a vida de pensarmos para os outros por nós mesmos, nos levará a lado algum.
Escrever na quimera que alguém vai ler, entender, perceber... Contos? Poesia? Fantasias? Estórias? Balelas. Não era isso que queria, apenas o que cria. O que era pretendido - lá está a contradição, era somente ser a mais comum dos mortais - qual realização profissional, qual sucesso, qual quê?
Bastava concretizar o pequeno sonho de criança... Aquele que cresceu grande ao ponto de se ter tornado enorme... Tão enorme que é impossível chegar-se a ele.
Mas a Crença também já não é o que era. Queria alcançar pelo menos 2, dos três picos da existência... A Árvore, o Livro e o Filho (davam um bom título, não?) E volta então à contradição - a controvérsia em acção. Estava decidida, se era o mais distante, teria de concretizar-se um outro. Passaria esse a ser o mais cobiçado. O mais óbvio dos menos simples... Qual? Plantar uma Árvore? Tudo bem. Semeia-se em qualquer altura. Ter um filho? Tudo bem. Cria-se em qualquer altura. Escrever um Livro? Tudo bem também... Mas não se colhe em qualquer altura. Esta é a única grande incontrovérsia - não é contraditório como o que se pretendeu, ao definir os três objectivos. Por isso pareceu mais tangível, alcançável e, talvez por isso, se deseje mais querendo menos. É do tipo que por ser tão óbvio é seriamente ofensivo não o obter. Como conseguir? Disse às mais variadas entidades (!) que pior seria o medo de fracassar. Sempre o medo do fracasso. Mas o fracasso - assim lhe chamam, só fracassa porque (contrariamente ao que seria de esperar) não se engana mais, não se vence mais. Apenas demasiadamente, não se deseja.
Antes a morte que a má sorte? Não. Antes sofrer a não ter de saber! Mas então... E agora? Como escrever? Como começar? Como terminar? Precisava de ajuda.
"Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, convence-se que os mortais não podem encobrir segredo algum, porque quando os lábios se fecham, falam as pontas dos dedos e a emoção transpira por todos os poros.
Sigmund Freud. Neurologista, mas com muito sentimento. Então a Psicanálise... Exactamente. A contrariedade humana, a controvérsia da alma, a conturbação da mente, o contrapasso do corpo. Porque há-de ser o mundo dos mortais, o real? Os cães são cada vez mais humanos. Os televisores cada vez mais companheiros. Os emails cada vez mais carteiros. O amigo cada vez menos presente. A tertúlia cada vez menos boémia. As notícias cada vez menos novidade. É a informática que domina. O computador é quem pensa. O software é que memoriza. No fundo, os homens têm de (de)ter a sensibilidade de ir para além do que conhecem, porque quando não se sabe, muito se imagina e, quando se imagina sente-se na pele a possibilidade de tudo ser real, possível, como num sonho.
Quantas vezes não se detiveram a indagar a realidade ainda a pairar de um sono sonhado? Para mim, o real é que é infinito e o imaginário tem a sua finitude logo à espreita - do sono, do toque, do som. As pessoas enganam-se, com o que julgam ser real. Julgam-se com a sua realidade intima, na suposta realidade partilhada. É como a velha história da Rosa que ao deparar-se com a realidade de existir um legume de nome Couve-Flor, lhe fala da sua petulância na partilha do "género floral" e desata em comparações - a aspereza do seu toque, com o sedoso das pétalas que possui; o seu cheiro, com o perfume que só ela exala; o seu corpo grosso, com a delgada haste que a sustém... Mas esquece-se que a si, ninguém quer comer...
Afinal a contradição do visível não se explica, só se sente e o mais cego é o que não quer ver. A espécie humana devia em 1º lugar repensar, depois revoltar e só no fim revolucionar. É mesmo assim, como quando ao pé de um precipício - só se avança dando um passo atrás."
Desta vez, imprimiu ao invés de salvar. Pensou que se deixasse ao acaso a realidade do Papel ela andasse para frente olhando para trás. Assim foi. Quando ela pôs os pés no chão, a realidade puxou-a: A quimera de conseguir desenhar palavras, pintar frases... Mais óbvio seria dedicar-se à leitura em vez da escrita. Lembrou-se do sonho durante o seu sono, onde o computador tinha um calo de tanto escrever...
Então deu um passo em frente olhando para trás. Lá estava... Pronto a ser lido. Seria possível? A contradição do que vivia, ou do que não via, não lhe dava outra hipótese. Tinha de entregar isto. Duvida ainda. Sempre a dúvida. Porém, fora ela mesma, no mais intimo do seu ser, quem o sonhou. Buscou respostas para calar a incredulidade e, concluiu que o Real tinha uma infinitude de possibilidades e, a sua realidade não poderia ser o não crer.
Então disse de si para si:
- «Agora sim. Quando vier o filho, plantarei com ele a minha Árvore.»
Afinal, este era o mais difícil dos menos óbvios.
Fim.
26 fevereiro, 2006
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10 comentários:
Antes de ela e o seu filho sairem de casa para plantar a árvore, ela vai ter que lhe ler uma história prévia sobre o sonho que vão, em breve, concretizar: uma história lida do livro de uma tal de Fortunata Godinho.
Sobre a autora, a mãe poderá contar o que sabe... ou deixar que o filho descubra por ele, um dia.
Rui,
Obrigada por teres lido isto. Era importante para mim colocar este texto aqui, mas tive receio, dúvida e vergonha.
Gostaste? Percebeste?
Menina Fortunata,
Agradeço-lhe duas coisas: o ter ponderado profundamente o meu caso e a bondade com que o resolveu. Imerecido, digo eu, que lido mal com a auto-estima.
Verifico que as vistas largas com que me tratou, não as parece conseguir aplicar a si. Presa que fica a vista numa qualquer parede - diga-me que é engano meu.
(este não é para publicar; qualquer coisa diga-me coisas para aqui: umdiamais@hotmail.com)
F,
Gostei, sim, muito. Percebi que foi dificil, que houve dúvidas.
Ainda bem que as venceste e publicaste.
Há ali muita coisa que conheço, que trato por tu. Sou também contradições, muitas.
Já te tinha dito que adorei o teu texto mas mesmo assim reforço: ADOREI!
Pims, nem sei como te agradecer tudo o que tens feito por mim, todo o apoio, todo o carinho. Se calhar dizer-te que te adoro é pouco. Muito obrigoda mesmo.
Beijocas
Mon amie adoréee,
bien sûr que moi aussi jái aimée ton texte. Pendant que je complète mes plans pour l'assassinat de Chico, l'Intelligent, je te laisse un mot d'encouragement: Vas-y! Persévère!
Un gros bisou,
Cindy
To Cindy,
My dear Friend. Thank you so much for yopur words - they will not fall into a bottomless bag...
Je t'embrasse aussi :)
Escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore. São os 3 projectos que um Homem deve ter na vida.
Acrescento outro ser um Homem Bom.
Olá miguita! Parabéns por teres publicado o texto. Continua....pleeeaaaseeee!!! Li alguns textos do Rui e adorei! Mas continuo a insistir que a menina também tem uma "veia" de escritora. Beijocas, Calaia
Olá miguita! Parabéns por teres publicado o texto. Continua....pleeeaaaseeee!!! Li alguns textos do Rui e adorei! Mas continuo a insistir que a menina também tem uma "veia" de escritora. Beijocas, Calaia
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